Sim! Jornalistas podem divulgar suicídio
Por Izabelle Ferrari
Mais de 40 profissionais participaram do encontro.
Com certeza essa foi a informação que mais me impactou durante nossa Roda de Conversa sobre suicídio, promovida pelo Sindijor/Foz em parceria com o Centro de Valorização da Vida (CVV), na noite de uma sexta-feira (22/2) em que muitos poderiam ter escolhido fazer outras coisas. Mas quase 40 pessoas, comunicadores ou não, passaram cerca de duas horas debatendo o suicídio como notícia, na sede do Centro de Direitos Humanos e Memória Popular de Foz (CDHMP).
O mais importante, segundo Cristiane Pimenta – coordenadora do posto do CVV local – é COMO e O QUE divulgar quando se trata de um suicídio. Para isso, há manuais e cartilhas editados especialmente para jornalistas. Conversamos sobre dois, especialmente: o manual da Organização Mundial de Saúde e a cartilha do Ministério da Saúde. É tudo, relativamente, recente. “O da OMS tem 19 anos”, destacou Alexandre Palmar, diretor do Sindijor/Foz. A Cartilha aos Jornalistas, preparada e divulgada pelo Ministério da Saúde, tem apenas dois anos. Mas a questão envolvendo o tabu em torno da divulgação do suicídio é bastante antiga. O fato considerado determinante para isso ocorreu em 1774: foi a publicação da obra Os sofrimentos do jovem Werther, do escritor alemão Wolfgang von Goethe, em que o protagonista se suicida por amor. Logo após a publicação do livro, dezenas de jovens teriam cometido suicídios de maneira muito semelhante. Dois séculos depois, em 1974, o sociólogo David Phillips, pesquisador do efeito imitativo do comportamento suicida, designou o termo “Efeito Werther” – remetendo ao nome do personagem fictício do livro alemão.
De acordo com a coordenadora do CVV/Foz, algumas informações podem sim influenciar na decisão de uma pessoa com pensamentos suicidas, por isso a cautela na divulgação. O contraponto é que, se não divulgados, os casos de suicídio acabam sendo empurrados para “debaixo do tapete”, e os números já são subestimados. O Manual para Profissionais da Mídia, da OMS, aponta: “Pensa-se que o suicídio é subestimado numa taxa de 20-25% no idoso e de 6-12% em outras faixas etárias”.
Os motivos são variados: estigmas, fatores políticos e sociais e regulações de agências seguradoras, o que significa que alguns suicídios podem ser registrados como acidentes ou mortes por causa indeterminada. Em conversa com um padre, amigo, perguntei:
“Padre, como está essa questão na Igreja Católica? Essas pessoas eram enterradas do lado de fora do cemitério”?
E ele:
“Não, não. Não se faz mais isso. Pesquisas científicas apontam que a pessoa não está em condições de responder pelos atos quando comete suicídio”.
Esse é o ponto. Pode haver mais de uma motivação, incluindo transtornos mentais; e aqui cabe um destaque ao que diz o manual da OMS: quando houver diagnóstico médico que comprove transtornos mentais, os jornalistas devem dizer isso.
E, afinal, o que mais pode ou não ser divulgado? Pode-se falar que foi suicídio, mas NÃO na capa do jornal impresso, NÃO nos títulos, NÃO na escalada do jornal de TV, NÃO nos espaços de destaque. NÃO se deve apontar causa ou publicar cartas deixadas por suicidas, justamente pelo que diz o parágrafo anterior: hoje já se sabe que múltiplas são as motivações envolvidas. NÃO se deve dar detalhes de como ocorreu e do lugar onde ocorreu, porque esse tipo de informação pode ser usada por pessoas com pensamentos suicidas.
As reportagens devem tratar de suicídio como um problema de saúde pública, aspecto pontuado pela professora do curso de Jornalismo da UDC Patrícia Lass: “Quando divulgamos uma morte por dengue, por exemplo, tratamos de apontar os dados relacionados, as formas de prevenção, enfim, apontar caminhos para que isso não ocorra novamente. Os casos de suicídio devem que ser tratados da mesma maneira”.
Portanto, além de noticiar o suicídio, o jornalista precisa ter a responsabilidade de divulgar estatísticas importantes como a que aponta que no BRASIL ALGUÉM COMETE SUICÍDIO A CADA 45 MINUTOS. São 32 brasileiros por dia. Também é possível noticiar quais são os sinais que as pessoas que pensam em suicídio dão; HÁ PELO MENOS DEZ SINAIS. E, o mais importante: divulgar que há um número gratuito para o qual essas pessoas podem ligar para conversar sobre o que estão sentindo, sem julgamento, sem conselhos, sem apelo. Conversar. É o 188. Há centenas de voluntários atuando em todo o Brasil neste grupo chamado de Centro de Valorização à Vida (CVV), que tem postos em mais de cem cidades, incluindo Foz do Iguaçu.
Santos Dumont se suicidou. Getúlio Vargas se suicidou. Minha amiga Ana Isabel se suicidou. Também houve o caso do sogro de um amigo e o do irmão de outra amiga… Essas pessoas merecem ter o sofrimento reconhecido, e esses casos precisam ser usados para auxiliar outras pessoas.
Vamos falar de suicídio!?
* Izabelle Ferrari é jornalista em Foz do Iguaçu.