Diariamente, figuras públicas do alto escalão do governo, lideranças e autoridades mentem e subvertem os dados e os fatos, numa campanha doentia, negacionista e paranoica.

A doença não é tudo isso, eles dizem. Está havendo uma grande conspiração comunista, eles alegam. O presidente é a vítima, eles argumentam.

E a imprensa, passiva, reproduz as aspas, como se dignos de credibilidade eles fossem. Ao dar voz a mentiras e insanidades, a mídia (que eles tanto acusam) serve justamente ao propósito que eles almejam.

Não basta, simplesmente, mostrar os números. Não basta reportar os fatos. O que estamos vivendo é uma guerra: mentira x verdade; informação x desinformação.

Ao aceitar publicar as aspas mais absurdas, sem contraponto, estamos jogando o jogo deles. Ao tratá-los como destemperados ou alucinados, estamos absolvendo-os do que realmente são: mentirosos, déspotas, autoritários, sociopatas. Ao entrarmos no jogo da guerra híbrida, aceitamos ser seus fantoches.

“Ouvir o outro lado” nem sempre basta, quando há desproporção entre as fontes. As coisas precisam ser chamadas do que elas são de fato. Não é “deslize”, não é “gafe”, não é “deselegante”. É mentira e, em muitos casos, é crime. Demos nomes aos bois. Escancaremos os fatos. Apontemos as incoerências.

Falamos tanto em combater as fake news, sobrecarregamos as agências de fact checking, mas continuamos embutindo as mentiras dentro das notícias, que deveriam ser de credibilidade, e reverberando as mentiras rumo ao inconsciente coletivo. Algumas teorias da conspiração já foram tão repetidas que viraram senso comum e hoje vestem-se de verdade.

Precisamos avançar na análise, na contestação, no confronto das informações descabidas. Precisamos cobrar – ainda mais – as autoridades. Notas de repúdio não são suficientes. Editoriais indignados como se tivessem descoberto hoje que o presidente tem tendências totalitárias são algo raso. Morno. Tão efetivo quanto uma boia de braço diante de um tsunami.

Não estamos em tempos normais em que possamos nos dar ao luxo de fazer o jornalismo “bom moço”. Estamos nas trincheiras, e pessoas estão literalmente morrendo – por covid-19 e por desinformação.

Até quando vamos ser saco de pancadas de todo e qualquer governante que pensa que pode ditar nossas pautas? Vamos sucumbir e contentar-nos de novo com receitas de bolo?

O jornalismo declaratório tem de acabar urgentemente. Nossa profissão respira por aparelhos, e sabemos que não há leitos para todos.

Mayara Godoy é jornalista em Foz do Iguaçu.